O avião é o meio de transporte mais seguro que existe. Mas algo sempre
pode dar errado. Quais são os principais riscos de voar? E o que realmente pode
acontecer durante um acidente?
"Senhores passageiros, sejam bem-vindos. Em nome da SincereAir, a
companhia aérea que só fala a verdade, peço sua atenção para algumas instruções
de segurança. Primeiramente, gostaríamos de parabenizar os passageiros que
estão sentados no fundo da aeronave - em caso de emergência, sua chance de
sobreviver será bem maior. Durante a decolagem, o encosto de sua poltrona
deverá ser mantido na posição vertical. Isso porque, em nossa nova e moderna
frota de aeronaves, as poltronas da classe econômica são tão apertadas que
impedem a evacuação da aeronave em caso de emergência. Na verdade, se a
segurança fosse nossa maior prioridade, colocaríamos todos os assentos virados
para trás. Metade do ar dentro da cabine é reciclado, o que nos ajuda a
economizar combustível. Isso poderá reduzir a taxa de oxigênio no seu sangue,
mas não costuma ser perigoso - e geralmente causa uma agradável sonolência.
Mantenha o cinto de segurança afivelado durante todo o voo - ou você poderá ser
vítima de turbulência, que é inofensiva para a aeronave, mas mata 25
passageiros por ano. Lembramos também que o assento de sua poltrona é
flutuante. Não que isso tenha muita importância: a probabilidade de sobreviver
a um pouso na água com um avião grande é mínima (geralmente a aeronave explode
ao bater na água). Obrigada por terem escolhido a SincereAir, e tenham todos
uma ótima viagem!"
Nenhuma empresa aérea revelaria verdades como essas. Afinal, mesmo que
o avião seja o meio de transporte mais seguro que existe, ele não é (nada é)
100% seguro. A partir de uma série de estudos feitos por especialistas,
chegamos às principais causas de acidentes - e descobrimos fatos surpreendentes
sobre cada uma delas. Prepare-se para decolar (e cair).
Despressurização - Quando as máscaras caem.
Quanto mais alto você está, mais rarefeito é o ar. Com menos
resistência do ar, o avião consegue voar muito mais depressa - e gasta bem
menos combustível. É por isso que os aviões comerciais voam bem alto, a 11 km
de altura. O problema é que, nessa altitude, a pressão atmosférica é muito
baixa (veja no infográfico abaixo). Não existe ar suficiente para respirar. Por
isso, os aviões têm um sistema que comprime o ar atmosférico e joga dentro da
cabine: a pressurização. É uma tecnologia consagrada, que estreou na aviação
comercial em 1938 (com o Boeing 307). Mas, como tudo na vida, pode falhar. Sabe
quando a aeromoça diz que "em caso de despressurização, máscaras de
oxigênio cairão automaticamente"? Não assusta muito, né - parece bem menos
grave do que uma pane na turbina do avião, por exemplo. Ledo engano. A
despressurização pode matar, e rápido. Ao contrário do afogamento ou de outros
tipos de sufocação, aos quais é possível resistir por alguns minutos, uma
despressurização aguda faria você apagar em menos de 15 segundos. Em agosto de
2008, um Boeing 737 da companhia Ryanair, que ia para Barcelona, sofreu
despressurização parcial da cabine. "Veio uma lufada de vento gelado e
ficou incrivelmente frio. Parecia que alguém tinha aberto a porta do
avião", contou um dos passageiros ao jornal inglês Daily Telegraph. Para
piorar as coisas, nem todas as máscaras de oxigênio caíram automaticamente. E,
das que caíram, várias não liberavam oxigênio. O que salvou os 168 passageiros
é que o avião estava voando a 6,7 km de altura, mais baixo do que o normal, e
isso permitiu que o piloto reduzisse rapidamente a altitude para 2,2 km, onde é
possível respirar sem máscara.
Falha estrutural (ou como a força G pode despedaçar a aeronave).
O avião pode perder uma asa, leme ou outra parte vital quando está no
ar. Quase sempre, o motivo é manutenção malfeita - a estrutura acumula desgaste
até quebrar. Mas isso também pode acontecer com aeronaves em perfeito estado.
Se o piloto fizer certas manobras, gera forças gravitacionais muito fortes - e
a fuselagem arrebenta. Foi o que aconteceu em 2001, com um Airbus A300 da
American Airlines que decolou de Nova York. O piloto pegou turbulência, se
assustou e tentou estabilizar a aeronave com movimentos normais, porém bruscos.
O rabo do avião quebrou e o A300 caiu, matando 260 pessoas. Pode parecer um
caso extremo, mas a resistência dos aviões à força G é uma preocupação central
da indústria aeronáutica. Os jatos modernos têm sistemas que avisam quando
estão voando com ângulo, velocidade ou trajetórias que possam colocar em risco
a integridade da fuselagem. E a Boeing adiou o lançamento de seu novo avião, o
787, para alterar o projeto dele (simulações indicaram que, durante o voo, as
asas poderiam sofrer forças G altas demais).
Pane nas turbinas - Acontece. Mas não pelo que você pensa.
O maior inimigo das turbinas não são as falhas mecânicas; são os
pássaros. Entre 1990 e 2007, houve mais de 12 mil colisões entre aves e aviões.
As turbinas são projetadas para suportar alguns tipos de pássaro (veja abaixo),
e isso é testado em laboratório com uma máquina, o "canhão de
galinhas", que dispara frangos mortos contra as turbinas a 400 km/h. Desde
1990, 312 turbinas foram completamente destruídas em voo pelos pássaros. Se o
avião perder um dos motores, consegue voar só com o outro. Mas, se isso
acontecer durante a decolagem, quando a aeronave está baixa e lenta (90% dessas
colisões acontecem a menos de 1 000 metros de altitude), ou se os pássaros
destruírem ambas as turbinas, as consequências podem ser dramáticas. Como no
incrível caso de um Airbus A320 da US Airways que perdeu os dois motores logo
após decolar de Nova York, em janeiro de 2009. Mesmo sem nenhuma propulsão, o
piloto conseguiu voar mais 6 minutos e levar o avião até o rio Hudson. Num dos
raríssimos casos de pouso bem-sucedido na água, ninguém morreu.
Falha nos computadores - Sim, eles também se enganam. E quando isso acontece...
Os computadores de bordo são vitais na segurança de voo. Mas também
podem falhar. Como no caso do Airbus A330 - o mais computadorizado dos jatos
atuais. Nos últimos 12 meses, sete A330 enfrentaram uma situação crítica:
partes do computador de bordo desligaram ou apresentaram comportamento errôneo.
Num desses casos, o desfecho foi dramático (o voo da Air France que ia de São
Paulo para Paris e caiu no oceano Atlântico, matando 232 pessoas). Mas o
problema não é exclusividade da Airbus. Em agosto de 2005, um Boeing 777 da
Malaysia Airlines que decolou da Austrália teve de retornar às pressas depois
que, aos 18 minutos de voo, o piloto automático começou a inclinar o avião de
forma perigosa. Era um problema de software.
Erro humano - Na maior parte das vezes, o piloto tem (alguma) culpa.
Os acidentes aéreos são uma sequência de erros que se somam. E, em 60%
dos casos, essa equação inclui algum tipo de falha humana. A pior de todos os
tempos aconteceu em 27 de março de 1977. Foi na ilha de Tenerife, um enclave
espanhol a oeste da costa africana. Vários fatores se juntaram para produzir
essa tragédia. Primeiro: um atentado terrorista fechou o principal aeroporto de
lá e fez com que todo o tráfego aéreo fosse desviado para um aeroporto menor,
Los Rodeos, que ficou sobrecarregado e cheio de aviões parados no pátio. Entre
eles, dois Boeing 747. Um vinha de Amsterdã, o outro de Los Angeles. O avião
americano solicitou autorização para decolar. Quem estava no comando era o
piloto Victor Grubbs, 57 anos e 21 mil horas de voo. A torre de controle
respondeu negando - era preciso esperar a saída do outro 747, o holandês, pilotado
pelo comandante Jacob van Zanten. Zanten ficou impaciente, porque sua
tripulação já estava em serviço havia 9 horas. A torre de controle reposicionou
as aeronaves. O nevoeiro era muito forte e, por um erro de comunicação, o
avião americano foi parar no lugar errado. Ignorando instruções, o 747 holandês
começou o procedimento de decolagem. Acelerou e bateu com tudo no outro avião,
que manobrava à frente. Foi o pior acidente da história, com 583 mortos.
Turbulência - Como o avião pode perder a sustentação no ar.
Turbulência não derruba avião. Os jatos modernos são projetados para
resistir a ela. Você já ouviu esse discurso? É uma meia-verdade. Um
levantamento feito pela Federal Aviation Administration (FAA), agência do
governo americano que estuda a segurança no ar, revela que entre 1992 e 2001
houve 115 acidentes fatais em que a turbulência esteve envolvida, deixando 251
mortos. Na maior parte dos casos, eram aviões pequenos, mas também houve mortes
em aeronaves comerciais - as vítimas eram passageiros que estavam sem cinto de
segurança, e por isso foram arremessados contra o teto a até 100 km/h
(velocidade suficiente para causar fratura no pescoço). Ou seja: em caso de
turbulência, o maior perigo não é o avião cair. É você se machucar porque está
sem cinto. Os aviões têm instrumentos que permitem detectar com antecedência as
zonas turbulentas, dando tempo para desviar, mas isso nem sempre é possível:
existe um tipo de turbulência, a "de ar limpo", que não é captada pelos
instrumentos da aeronave. Felizmente, é rara: só causou 2,88% dos acidentes
fatais.
Pane hidráulica - Existe um encanamento que corre por toda a fuselagem. Se ele furar, as
consequências podem ser terríveis.
Os controles do avião dependem do sistema hidráulico - uma rede de
canos que liga o cockpit às partes móveis do avião. Esses canos estão cheios de
fluido hidráulico, uma espécie de óleo. Quando o piloto dá um comando (virar
para a esquerda, por exemplo), um sistema de bombas comprime esse óleo - e o
deslocamento do líquido movimenta as chamadas superfícies de controle. São as
peças que controlam a trajetória do avião, como o leme e os flaps. O sistema
hidráulico é tão importante, mas tão importante, que os aviões modernos têm
nada menos do que três: um principal e dois de reserva. Por isso mesmo, a pane
total é muito rara. Mas ela é o pior pesadelo dos pilotos. "O treinamento
para situações de pane hidráulica é muito frequente e exige bastante dos
pilotos", explica o comandante Leopoldo Lázaro. Se os 3 sistemas
hidráulicos falharem, a aeronave perde totalmente o controle. E isso já
aconteceu. Em julho de 1989, um McDonnell Douglas DC-10 decolou de Denver com
destino a Chicago. Tudo corria bem até que a turbina superior, próxima à cauda
do avião, explodiu. Estilhaços do motor penetraram na fuselagem e cortaram os
canos de todos os sistemas hidráulicos. O avião não tinha como subir, descer,
virar nem frear. Aí o comandante Alfred Haynes, 58 anos e 37 mil horas de voo,
realizou uma das maiores proezas da história da aviação. Usando o único
controle de potência das turbinas, o único que ainda funcionava no avião,
conseguiu fazer um pouso de emergência. A aeronave explodiu, mas 185 dos 296
passageiros sobreviveram.
Um
avião grande carrega 600 litros de fluido hidráulico, que se distribui por redes de canos.
Meses de risco
Em quais épocas do ano acontecem mais acidentes*
Jan - 8,96%
Fev - 7,4%
Mar - 8,77%
Abr - 6%
Mai - 5,84%
Jun - 8,18%
Jul - 9,74%
Ago - 8,96%
Set - 9,55%
Out - 8,18%
Nov - 9,55%
Dez - 7,79%
* A soma não dá 100% devido a arredondamento.
Fonte - Aircraft Crashes Record Office
As aeronaves que mais caíram
Em acidentes fatais por milhão de decolagens
Fonte: Boeing
Fonte:http://super.abril.com.br/tecnologia/como-cai-aviao-626365.shtml