O Ministério Público Federal, por meio de suas sedes estaduais,
promete desencadear ações contra 32 deputados federais e oito senadores que
aparecem nos registros oficiais como sócios de emissoras de rádio ou TV pelo
país.
Entre os alvos da iniciativa inédita -lançada com aval do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e coautoria do Coletivo
Intervozes-, estão alguns dos mais influentes políticos do país, como os
senadores:
Aécio Neves (MG), presidente do PSDB,
Edison Lobão (PMDB-MA),
José Agripino Maia (DEM-RN),
Fernando Collor de Mello (PTB-AL),
Jader Barbalho (PMDB-PA) e
Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Na Câmara, devem ser citados deputados como:
Sarney Filho (PV-MA),
Elcione Barbalho (PMDB-PA), ex-mulher de Jader,
Rodrigo de Castro (PSDB-MG) e
Rubens Bueno (PR), líder do PPS na Casa.
No Ministério das Comunicações, todos eles constam como sócios de
emissoras.
Baseado em dispositivo da Constituição que proíbe congressista de
"firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço
público" (Art. 54), a Procuradoria pedirá suspensão das concessões e
condenação que obrigue a União a licitar novamente o serviço e se abster de dar
novas outorgas aos citados.
No total, os 40 parlamentares radiodifusores aparecem como sócios de
93 emissoras.
A primeira leva de ações foi protocolada em São Paulo na quinta-feira
(19) contra veículos associados aos deputados Antônio Bulhões (PRB), titular de
concessões de rádios em Santos, Gravataí (RS), Olinda (PE) e Salvador; Beto
Mansur (PRB), com rádios em Santos e São Vicente; e Baleia Rossi (PMDB),
vinculado a duas rádios no interior paulista.
Nas peças (ações civis públicas), quatro procuradores e o advogado
Bráulio de Araújo, do Intervozes (entidade que milita na área de comunicação),
citam o caso do ex-deputado Marçal Filho (PMDB-MS), condenado no STF (Supremo
Tribunal Federal) por falsificação do contrato social de uma rádio.
Conforme o acórdão do STF (documento da decisão final), Marçal
falsificou papéis justamente para omitir a condição de sócio da emissora. No
processo, os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber fizeram considerações sobre
o artigo 54 da Constituição, o mesmo evocado agora contra parlamentares
radiodifusores.
Barroso disse que a norma "pretendeu prevenir a reunião de poder
político e controle sobre veículos [...], com os riscos decorrentes do
abuso".
Weber afirmou que "há um risco óbvio na concentração de poder
político com controle sobre meios de comunicação de massa" e que, sem a
proibição expressa na Constituição, "haveria risco de que o veículo, ao
invés de servir para o livre debate e informação, fosse utilizado apenas em benefício
do parlamentar".
Ela lembrou ainda que "tal distorção" foi reconhecida pelo
próprio ex-deputado Marçal no processo, quando afirmou que resolveu virar sócio
da rádio em seu Estado porque "não teve mais espaço em empresas
controladas por seus adversários políticos".
CONFLITO
Outro argumento das ações da Procuradoria é o do conflito de
interesses. Os procuradores lembram que cabe ao Congresso apreciar atos de
outorga e renovação de concessões. Conclui então que congressistas
radiodifusores "estarão propensos" a votar sempre pela aprovação para
não prejudicar futuras análises de seus processos.
As peças citam uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara de 2011 que deu aval a 38 concessões e 65 renovações em apenas três
minutos e com só um deputado presente. Citam ainda casos de políticos que
votaram na aprovação de suas próprias outorgas ou renovações.
Bráulio de Araújo afirma que, no futuro, também poderá entrar com
ações contra políticos que escondem a propriedade de rádios e TVs em nome de
parentes ou laranjas.
Nessa primeira leva, só serão acionados veículos que têm o próprio
parlamentar no quadro societário.
Além dos processos da Procuradoria, uma Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental sobre o tema está sendo formulada para ser levada ao STF.
Nesse tipo de ação, os ministros não são provocados a condenar ou absolver
casos individuais, mas a analisar a situação em geral à luz da Constituição.
Políticos radiodifusores
OUTRO LADO
Dos 40 congressistas que constam como sócios de rádios ou TVs, sete
creem que a legislação permite esse tipo de participação, desde que eles não
exerçam funções administrativas nas emissoras.
Essa opinião foi manifestada por Baleia Rossi (PMDB-SP), Fernando
Collor (PTB-AL), Gonzaga Patriota (PSB-PE), João Henrique Caldas (SD-AL), João
Rodrigues (PSD-SC), Ricardo Barros (PR-PR) e Victor Mendes (PV-MA).
"O ordenamento jurídico permite [ser sócio]. Não exercendo
direção, não há vedamento legal", disse Caldas.
Presidente da Frente Parlamentar de Radiodifusão, Rodrigues, que
também defende essa tese, afirmou que, se necessário for, deixará a Câmara para
manter o controle de sua rádio em Nanoai (RS). "Sou radiodifusor antes de
ser deputado. Não vou colocar a minha vida profissional e aquilo que me
sustenta fora por causa de um mandato."
Collor, em nota, afirmou que não participa da gestão das emissoras:
"As concessões às empresas da Organização Arnon de Mello estão dentro da
legalidade conforme a interpretação corrente das normas constitucionais".
O Código Brasileiro de Comunicações, de 1962, diz apenas que
parlamentar não pode ser diretor de veículo. Não proíbe nem autoriza
expressamente a possibilidade de ser sócio. Para os signatários das ações do
Ministério Público, a Constituição de 1988 afastou essa dúvida ao dizer que
congressista não pode ter "contrato" com concessionárias de serviço
público.
Outros quatro parlamentares também confirmaram que são sócios de
emissoras: Aníbal Gomes (PMDB-CE), Domingos Neto (Pros-CE), Felipe Maia
(DEM-RN) e José Agripino (DEM-RN).
Sócio de uma rádio e uma TV em Natal, outra rádio em Mossoró (RN) e
uma terceira em Currais Novos (RN), Agripino disse que todas são herança de seu
pai. "Não foram concessões dadas a mim. É uma questão nova para o
Judiciário. Além disso, minha participação é minoritária" (ele divide as
emissoras com a mãe e dois irmãos).
Neto afirmou que a Difusora de Inhamuns é de sua família "há mais
de cem anos" e que ele hoje tem 5% da firma. Maia e Gomes disseram que já
eram proprietários de suas rádios antes de assumir mandato. Gomes foi além:
"Desconhecia a legislação e achei que era permitido que um deputado
mantivesse a rádio, desde que tivesse sido concedida antes do começo do
mandato", afirmou.
Dez afirmaram que não são mais sócios de emissoras ligadas aos seus
nomes: Acir Gurgacz (PDT-RO), Afonso Motta (PDT-RS), Antônio Bulhões (PRB-SP),
Fábio Faria (PSD-RN), Jaime Martins (PSD-MG), Jorginho Mello (PR-SC), Beto
Mansur (PRB-SP), Roberto Rocha (PSB-MA), Rubens Bueno (PPS-PR) e Soraya Santos
(PMDB-RJ).
"Tem mais de 20 anos que saí da rádio", disse o deputado
Rubens Bueno. "Comprei e vendi, era uma coisa pequena,
insignificante."
A assessoria de Soraya Santos disse que "há dez anos a deputada
transferiu a titularidade [da rádio Cantagalo, no Rio] para uma igreja".
Bulhões, Motta, Faria, Martins, Mello e Rocha sugerem que há defasagem
no cadastro do ministério, hipótese refutada pela pasta.
Rodrigo de Castro (PSDB-MG) disse que a rádio em seu nome "só
existe no papel", nunca funcionou de fato.
Aécio Neves (PSDB-MG), sócio de uma FM em Betim, na região
metropolitana de BH, informou que só comentará quando for notificado.
A Folha não conseguiu entrar em contato com Átila Lira (PSB-PI), César
Halum (PRB-TO), Dâmina Pereira (PMN-MG), José Nunes (PSD-BA), Júlio César
(PSD-PI) e Cabuçu Borges (PMDB-AP).
Adalberto Cavalcanti (PTB-PE), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), Damião
Feliciano (PDT-PB), Edison Lobão (PMDB-MA), Félix Mendonça (PDT-BA), Jader e
Elcione Barbalho (PMDB-PA), José Rocha (PR-BA), Sarney Filho (PV-MA), Magda
Mofatto (PR-GO) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) não responderam.
O Ministério das Comunicações não quis comentar a iniciativa do
Ministério Público, pois não foi notificado.
Folha de SP
22 11 2015